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sábado, 13 de dezembro de 2014

Tatuagens

Tatuagens

Mafalda Veiga

Em cada gesto perdido
Tu és igual a mim
Em cada ferida que sara
Escondida do mundo
Eu sou igual a ti

Fazes pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
Pintas o sol da cor da terra
E a lua da cor do mar

Em cada grito da alma
Eu sou igual a ti
De cada vez que um olhar
Te alucina e te prende
Tu és igual a mim

Fazes pinturas de sonhos
Pintas o sol na minha mão
E és mistura de vento e lama
Entre os luares perdidos no chão

Em cada noite sem rumo
Tu és igual a mim
De cada vez que procuro
Preciso um abrigo
Eu sou igual a ti

Faço pinturas de guerra
Que eu não sei apagar
E pinto a lua da cor da terra
E o sol da cor do mar

Em cada grito afundado
Eu sou igual a ti
De cada vez que a tremura
Desata o desejo
Tu és igual a mim

Faço pinturas de sonhos
E pinto a lua na tua mão
Misturo o vento e a lama
Piso os luares perdidos no chão

Composição: Mafalda Veiga

Os dias

Os Dias


Mafalda Veiga



No meu quarto há uma janela Sobre um pedaço do mundo Na rua estreita Os prédios seguram o céu  As caras de sempre Têm dias sorridentes e outros sisudos Porque de alegria e de tristeza Cada um tem um pedaço que é o seu  No meu quarto, pela janela, O sol entra em geometria Faz desenhos no chão Pinta-me lume na pele  Rasga sombras teimosas, escondidas, A reclamar poesia E voa das mãos pequenas Que lançam para a rua aviões de papel  Há dias que sopram Os dias que vão, Levantam asas Ou ficam em pedaços pelo chão Há dias perdidos E outros sem fim A colar cada pedaço Do mundo que se partiu dentro de mim  Nesta rua estreita Os prédios escondem o resto do escuro Os caminhos da noite, mais longe, No resto do céu  Há em cada olhar A vaga certeza do mesmo rio ao fundo Mas por dentro do peito Cada um traz um horizonte que é o seu  Há dias que sopram Os dias que vão, Levantam asas Ou ficam em pedaços pelo chão Há dias perdidos E outros sem fim A colar cada pedaço Do mundo que se partiu dentro de mim


Ternura


Ternura

Vinicius de Moraes

Eu te peço perdão por te amar de repente
Embora o meu amor seja uma velha canção nos teus ouvidos
Das horas que passei à sombra dos teus gestos
Bebendo em tua boca o perfume dos sorrisos
Das noites que vivi acalentado
Pela graça indizível dos teus passos eternamente fugindo
Trago a doçura dos que aceitam melancolicamente.
E posso te dizer que o grande afeto que te deixo
Não traz o exaspero das lágrimas nem a fascinação das promessas
Nem as misteriosas palavras dos véus da alma...
É um sossego, uma unção, um transbordamento de carícias
E só te pede que te repouses quieta, muito quieta
E deixes que as mãos cálidas da noite encontrem sem fatalidade o olhar extático da aurora.

Texto extraído da antologia "Vinicius de Moraes - Poesia completa e prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 259.