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domingo, 27 de outubro de 2013

Maria do Rosário Pedreira






Eu volto
à casa onde contigo se demorou o verão e arrumo
os livros, escondo as cartas, viro os retratos
para a mesa. Sei que o tempo se magoou de nós,
sei que não voltas, e ouço dizer que as aves
partem sempre assim, subitamente.

Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira



Hoje podes deitar-te na minha cama
e contar-me mentiras - dizer, não sei,
que o amor tem a forma da minha mão
ou que os meus beijos são perguntas que
não queres que ninguém te faça senão
eu; que as flores bordadas na dobra do
meu lençol são de jardins perfeitos que
antes só existiam nos teus sonhos; e que
na curva dos meus braços as horas são
mais pequenas do que uma voz que no
escuro se apagasse. Hoje podes rasgar
cidades no mapa do meu corpo e
inventar que descobriste um continente
novo - uma pátria solar onde gostavas
de morrer e ter nascido. Eu não me
importo com nada do que me digas esta
noite: amo-te, e amar-te é reconhecer o
pólen excessivo das corolas, o seu vermelho
impossível. Mas amanhã, antes de partires,
não digas nada, não me beijes nas costas
do meu sono. Leva-me contigo para sempre
ou deixa-me dormir - eu não quero ser
apenas um nome deitado entre outros nomes.

Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira






O meu mundo tem estado à tua espera; mas
não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. Sei
que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.
Se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspirá-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira –
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
antes de saber como seria. Não me perguntes
porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos – Deus tem as mãos grandes.

Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira






Deita-te aqui - esta noite, dentro de mim,
está tanto frio. Se fores capaz, cobre-me de
beijos: talvez assim eu possa esquecer para
sempre quem me matou de amor, ou morrer
de uma vez sem me lembrar. Isso, abraça-me

também: onde os teus dedos tocarem há uma
ferida que o tempo não consegue transportar.
Mas fecho os olhos, se tu não te importares, e
finjo que essa dor é uma mentira. Claro, o que

quiseres está bem - tudo, ou qualquer coisa,
ou mesmo nada serve, desde que o frio fique
no laço das tuas mãos e não regresse ao corpo
que te deixo agora sepultar. Não sentes frio, tu,

dentro de mim? Nunca nevou de madrugada no
teu quarto? Que país é o teu? Que idade tens?
Não, prefiro não saber como te chamas.


Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira






Acordo com o teu nome nos 
meus lábios — amargo beijo

esse que o tempo dá sem 
aviso a quem não esquece.

Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira



Quando eu morrer, não digas a ninguém que foi por ti. Cobre o meu corpo frio com um desses lençóis que alagamos de beijos quando eram outras horas nos relógios do mundo e não havia ainda quem soubesse de nós; e leva-o depois para junto do mar, onde possa ser apenas mais um poema - como esses que eu escrevia assim que a madrugada se encostava aos vidros e eu tinha medo de me deitar só com a tua sombra. Deixa que nos meus braços pousem então as aves (que, como eu, trazem entre as penas a saudade de um verão carregado de paixões). E planta à minha volta uma fiada de rosas brancas que chamem pelas abelhas, e um cordão de arvores que perfurem a noite - porque a morte deve ser clara como o sal na bainha das ondas, e a cegueira sempre me assustou (e eu já ceguei de amor, mas não contes a ninguém que foi por ti). Quando eu morrer, deixa-me a ver o mar do alto de um rochedo e não chores, nem toques com os teus lábios a minha boca fria. E promete-me que rasgas os meus versos em pedaços tão pequenos como pequenos foram sempre os meus ódios; e que depois os lanças na solidão de um arquipélago e partes sem olhar para trás nenhuma vez: se alguém os vir de longe brilhando na poeira, cuidara que são flores que o vento despiu, estrelas que se escaparam das trevas, pingos de luz, lágrimas de sol ou penas de um anjo que perdeu as asas por amor.

Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira




O meu amor não cabe num poema – há coisas assim,
que não se rendem à geometria deste mundo;
são como corpos desencontrados da sua arquitectura
ou quartos que os gestos não preenchem.
O meu amor é maior que as palavras,e daí inútil
a agitação dos dedos na intimidade do texto
- a página não ilustra o zelo do farol que agasalha as baías
nem a candura da mão que protege a chama que estremece.
O meu amor não se deixa dizer – é um formigueiro
que acode aos lábios como a urgência de um beijo
ou a matéria efervesente dos segredos; a combustão
laboriosa que evoca, à flor da pele,vestígios
de uma explosão exemplar: a cratera que um corpo,
ao levantar-se, deixa para sempre na vizinhança de outro corpo.
O meu amor anda por dentro do silêncio a formular loucuras
com a nudez do teu nome – é um fantasma que estrebucha
no dédalo das veias e sangra quando o encerram em metáforas.
Um verso que o vestisse definharia sob a roupa
como o esqueleto de uma palavra morta. Nenhum poema
podia ser o chão da sua casa.

Maria do Rosário Pedreira

Maria do Rosário Pedreira



Não digas nada – a tua boca já me pertenceu
e agora tenho ciúmes das palavras. O que
disseres será um beijo pousado nos lábios de
outra mulher, dor e mais dor, traição maior
para quem acreditou que o teu amor era para
a morte. Não fales – tenho também ciúmes
da tua voz; ouvir-te é ficar só uma vez mais.

Maria do Rosário Pedreira

Fábrica de Escrita

Vamos ser velhos...





Vamos ser velhos ao sol nos degraus
da casa; abrir a porta empenada de
tantos invernos e ver o frio soçobrar
no carvão das ruas; espreitar a horta
que o vizinho anda a tricotar e o vento
lhe desmancha de pirraça; deixar a
chaleira negra em redor do fogão para
um chá que nunca sabemos quando
será – porque a vida dos velhos é curta,
mas imensa; dizer as mesmas coisas
muitas vezes – por sermos velhos e por
serem verdade. Eu não quero ser velha
sozinha, mesmo ao sol, nem quero que
sejas velho com mais ninguém. Vamos
ser velhos juntos nos degraus da casa –
se a chaleira apitar, sossega, vou lá eu; não
atravesses a rua por uma sombra amiga,
trago-te o chá e um chapéu quando voltar.

Maria do Rosário Pedreira

Distância...





Simples é a distância suave que nos distância
Adicionado aos meus desejos 
de presença na tua ausência !

N.Diniz🌹

Destino...






Às vezes o destino parece cruel. Te separa da pessoa que você pensa ser tudo na sua vida. Mas apesar de cruel, duvidoso e infeliz, ás vezes, o destino não erra. Uma história pra ser quase perfeita precisa ter curvas. E o relógio não pode soar sempre á meia-noite.

Pétalas ...





O orvalho não escolhe as pétalas que beija
Por conseguinte ,assim acontece nos encontros ...
Simples ,enternece e acontece ...
Se for recíproco irá expandir-se
Caso contrário que o vento leve
Que os momentos sejam breves...
...Seja leve...

🌹
N.Diniz

sábado, 26 de outubro de 2013

Pátria minha


Pátria Minha

Vinicius de Moraes


A minha pátria é como se não fosse, é íntima
Doçura e vontade de chorar; uma criança dormindo
É minha pátria. Por isso, no exílio
Assistindo dormir meu filho
Choro de saudades de minha pátria.

Se me perguntarem o que é a minha pátria direi:
Não sei. De fato, não sei
Como, por que e quando a minha pátria
Mas sei que a minha pátria é a luz, o sal e a água
Que elaboram e liquefazem a minha mágoa
Em longas lágrimas amargas.

Vontade de beijar os olhos de minha pátria
De niná-la, de passar-lhe a mão pelos cabelos...
Vontade de mudar as cores do vestido (auriverde!) tão feias
De minha pátria, de minha pátria sem sapatos
E sem meias pátria minha
Tão pobrinha!

Porque te amo tanto, pátria minha, eu que não tenho
Pátria, eu semente que nasci do vento
Eu que não vou e não venho, eu que permaneço
Em contato com a dor do tempo, eu elemento
De ligação entre a ação o pensamento
Eu fio invisível no espaço de todo adeus
Eu, o sem Deus!

Tenho-te no entanto em mim como um gemido
De flor; tenho-te como um amor morrido
A quem se jurou; tenho-te como uma fé
Sem dogma; tenho-te em tudo em que não me sinto a jeito
Nesta sala estrangeira com lareira
E sem pé-direito.

Ah, pátria minha, lembra-me uma noite no Maine, Nova Inglaterra
Quando tudo passou a ser infinito e nada terra
E eu vi alfa e beta de Centauro escalarem o monte até o céu
Muitos me surpreenderam parado no campo sem luz
À espera de ver surgir a Cruz do Sul
Que eu sabia, mas amanheceu...

Fonte de mel, bicho triste, pátria minha
Amada, idolatrada, salve, salve!
Que mais doce esperança acorrentada
O não poder dizer-te: aguarda...
Não tardo!

Quero rever-te, pátria minha, e para 
Rever-te me esqueci de tudo
Fui cego, estropiado, surdo, mudo
Vi minha humilde morte cara a cara
Rasguei poemas, mulheres, horizontes
Fiquei simples, sem fontes.

Pátria minha... A minha pátria não é florão, nem ostenta
Lábaro não; a minha pátria é desolação
De caminhos, a minha pátria é terra sedenta
E praia branca; a minha pátria é o grande rio secular
Que bebe nuvem, come terra 
E urina mar.

Mais do que a mais garrida a minha pátria tem
Uma quentura, um querer bem, um bem
Um libertas quae sera tamem
Que um dia traduzi num exame escrito:
"Liberta que serás também"
E repito!

Ponho no vento o ouvido e escuto a brisa
Que brinca em teus cabelos e te alisa
Pátria minha, e perfuma o teu chão...
Que vontade de adormecer-me
Entre teus doces montes, pátria minha
Atento à fome em tuas entranhas
E ao batuque em teu coração.

Não te direi o nome, pátria minha
Teu nome é pátria amada, é patriazinha
Não rima com mãe gentil
Vives em mim como uma filha, que és
Uma ilha de ternura: a Ilha 
Brasil, talvez.

Agora chamarei a amiga cotovia
E pedirei que peça ao rouxinol do dia
Que peça ao sabiá
Para levar-te presto este avigrama:
"Pátria minha, saudades de quem te ama...
Vinicius de Moraes."


Texto extraído do livro "Vinicius de Moraes - Poesia Completa e Prosa", Editora Nova Aguilar - Rio de Janeiro, 1998, pág. 383.

Beatriz Lobo: obrigado pela sugestão!

Conheça a vida e a obra do autor em "Biografias".

 

A vida lhe aguarda ...

🌹🌹 


A vida lhe aguarda..

Acalma um pouco seu coração que sofre com as emoções descontroladas.
Recorre ao silêncio... Há quanto tempo vive na agitação?
Se preferir, fecha seus olhos e abre a alma ao Meu encontro.
Eu continuo ao seu lado! E não estou indiferente à sua dor, pelo contrário, constantemente ausculto seu íntimo.
Pode confiar, Eu lhe fortaleço! E jamais o abandonarei!
Estarei ao se lado nos caminhos de espinhos, como também, quando por escolha própria, adentrar as estradas da ilusão.
Em nenhum momento, deixarei de amá-lo. Vem ao Meu encontro e sente a Minha proteção.
A jornada é longa, abastece-se no meu amor, higieniza sua mente com meus ensinamentos, tornando-se assim capaz de compreender outros valores.
Olhe ao seu redor! Quanta vida! E percebe que ao Meu lado não existe escuridão, pois é a Minha Eterna Luz que iluminará os seus passos e o conduzirá a outros horizontes.
Coragem! Refaz sua história, Eu lhe auxilio. Toda obra requer intenso trabalho, dispõe, portanto, a perseverar sem desanimar diante das batalhas. Veste o escudo da fé e segue Comigo!
Juntos triunfaremos!
Acredita! Você pode libertar-se dos enganos, desvencilhar-se dos vícios, superar mágoas, deixar para trás tristezas, remorsos, contornar obstáculos e vencer qualquer prova. Precisa apenas confiar e perseverar!
É uma obra inacabada! Porém, as ferramentas para o trabalho de aperfeiçoamento continuam a lhe ser oferecidas. Já é capaz de usá-las!
E o mais importante, Eu permaneço ao seu lado. Ontem! Hoje! Amanhã! Eternamente...
Afasta o desânimo e o desespero, vem ao Meu encontro!
Há muito a ser feito! Eu lhe sustentarei quando faltar força e também acalmarei todas as suas aflições. Confia em Mim.
E confia também na sua essência: É um Espírito de luz!
Veio para brilhar e nenhuma dificuldade será capaz de afetar o seu potencial.
Acredita e mãos a obra: A vida lhe aguarda!

*Sonia Carvalho*

quinta-feira, 24 de outubro de 2013

Saudades...






Tenho saudades da nossa amizade, Do teu sorriso na minha chegada. Parecia real nossa afinidade,
Na sinceridade da tua palavra.

Tenho saudades de quando dançávamos, Rosto colado, corpos aconchegados.
Em gestos sutis nos acariciávamos, Nossos corações batendo acelerados.

Tenho saudades do nosso beijo roubado, Das músicas que ouvíamos no carro.
Do teu abraço carinhoso apertado,
Do teu sorriso acanhado.

Tenho saudades de você ao meu lado,
Dos sonhos que juntos idealizávamos.
De um dia ter sido teu namorado,
Depois do amor nas nuvens descansávamos.

Tenho saudades da saudade de ter, Lembranças que choram no frio anoitecer.
No mar das minhas lágrimas meu grito suster, Na brisa da manhã fazer o amor renascer.

Quero de novo chegar,
Teu sorriso contemplar.
Teu beijo desejo me embriagar,
No teu corpo lascivo a saudade matar. 

Assim...




Assim...
Se nublo ,floresço é o que faço de  mais bonito.
Felicidade !!

quarta-feira, 23 de outubro de 2013

A minha melhor e mais bonita poesia, é a sua vida na minha. 


__ Dulce Miller __



______________________
Imagem: © Annie Leibovitz

Vinicius de Moraes

Essa nossa sintonia tem cheiro de telepatia, será isto magia?
Não sei! Mas arrepia…
Vinícius de Moraes.

domingo, 20 de outubro de 2013

A marca que você deixa nas pessoas





A marca que você deixa nas pessoas
Quando eu era criança, bem novinho, meu pai comprou o primeiro telefone da nossa vizinhança 
Eu ainda me lembro daquele aparelho preto e brilhante que ficava na cômoda da sala.
Eu era muito pequeno para alcançar o telefone, mas ficava ouvindo fascinado enquanto minha mãe falava com alguém.
Então, um dia eu descobri que dentro daquele objeto maravilhoso morava uma pessoa legal. O nome dela era "Uma informação, por favor" e não havia nada que ela não soubesse. "Uma informação, por favor" poderia fornecer qualquer número de telefone e até a hora certa.
Minha primeira experiência pessoal com esse gênio-na-garrafa veio num dia em que minha mãe estava fora, na casa de um vizinho.
Eu estava na garagem mexendo na caixa de ferramentas quando bati em meu dedo com um martelo. A dor era terrível mas não havia motivo para chorar, uma vez que não tinha ninguém em casa para me oferecer a sua simpatia. 
Eu andava pela casa, chupando o dedo dolorido até que pensei: O telefone!
Rapidamente fui até o porão, peguei uma pequena escada que coloquei em frente a cômoda da sala. 
Subi na escada, tirei o fone do gancho e segurei contra o ouvido. 
Alguém atendeu e eu disse:
- "Uma informação, por favor".
Ouvi uns dois ou três cliques e uma voz suave e nítida falou em meu ouvido.
- "Informações".
- "Eu machuquei meu dedo...", disse, e as lágrimas vieram facilmente, agora que eu tinha audiência.
-"A sua mãe não esta em casa?", ela perguntou.
-"Não tem ninguém aqui...", eu soluçava.
-"Está sangrando?"
-"Não", respondi.
- "Eu machuquei o dedo com o martelo, mas tá doendo..."
-"Você consegue abrir o congelador?", ela perguntou.
Eu respondi que sim.
-"Então, pegue um cubo de gelo e passe no seu dedo", disse a voz.
Depois daquele dia, eu ligava para "Uma informação, por favor" por qualquer motivo. 
Ela me ajudou com as minhas dúvidas de geografia e me ensinou onde ficava a Philadelphia. 
Ela me ajudou com os exercícios de matemática. 
Ela me ensinou que o pequeno esquilo que eu trouxe do bosque deveria comer nozes e frutinhas. Então, um dia, Petey, meu canário, morreu. 
Eu liguei para "Uma informação, por favor" e contei o ocorrido. 
Ela escutou e começou a falar aquelas coisas que se dizem para uma criança que está crescendo. Mas eu estava inconsolável. 
Eu perguntava:
-"Por que é que os passarinhos cantam tão lindamente e trazem tanta alegria pra gente para, no fim, acabar como um monte de penas no fundo de uma gaiola?"

Ela deve ter compreendido a minha preocupação, porque acrescentou mansamente:
-"Paul, sempre lembre que existem outros mundos onde a gente pode cantar também..."
De alguma maneira, depois disso eu me senti melhor. 

No outro dia, lá estava eu de novo.
-"Informações", disse a voz já tão familiar.
-"Você sabe como se escreve exceção?"

Tudo isso aconteceu na minha cidade natal ao norte do Pacífico. 
Quando eu tinha 9 anos, nós nos mudamos para Boston. Eu sentia muita falta da minha amiga. "Uma informação, por favor" pertencia aquele velho aparelho telefônico preto 
e eu não sentia nenhuma atração pelo nosso novo aparelho telefônico branquinho 
que ficava na nova cômoda na nova sala. 
Conforme eu crescia, as lembranças daquelas conversas infantis nunca saiam da minha memória. Freqüentemente, em momentos de dúvida ou perplexidade, eu tentava recuperar o sentimento calmo de segurança que eu tinha naquele tempo.
Hoje eu entendo como ela era paciente, compreensiva e gentil ao perder tempo atendendo as ligações de um menininho.

Alguns anos depois, quando estava indo para a faculdade, meu avião teve uma escala em Seattle. Eu teria mais ou menos meia hora entre os dois vôos.
Falei ao telefone com minha irmã, que morava lá, por 15 minutos. 
Então, sem nem mesmo sentir que estava fazendo isso, disquei o número da operadora 
daquela minha cidade natal e pedi:

-"Uma informação, por favor".

Como num milagre, eu ouvi a mesma voz doce e clara que conhecia tão bem, dizendo:
-"Informações".

Eu não tinha planejado isso, mas me peguei perguntando:
-"Você sabe como se escreve exceção?"
Houve uma longa pausa. 

Então, veio uma resposta suave:
-"Eu acho que o seu dedo já melhorou, Paul".
Eu ri. "Então, é você mesma!", eu disse. 
"Você não imagina como era importante 
para mim naquele tempo".

- "Eu imagino", ela disse.
-"E você não sabe o quanto significavam para mim aquelas ligações. Eu não tenho filhos e ficava esperando todos os dias que você ligasse".
Eu contei para ela o quanto pensei nela todos esses anos e perguntei se poderia visitá-la quando fosse encontrar a minha irmã.
-"É claro!", ela respondeu.
-"Venha até aqui e chame a Sally".

Três meses depois eu fui a Seattle visitar minha irmã. 
Quando liguei, uma voz diferente respondeu:
-"Informações".

Eu pedi para chamar a Sally.
-"Você é amigo dela?", a voz perguntou.
-"Sou, um velho amigo. O meu nome é Paul".
- "Eu sinto muito, mas a Sally estava trabalhando aqui apenas meio período porque estava doente. 
Infelizmente, ela morreu há cinco semanas".

Antes que eu pudesse desligar, a voz perguntou:
- "Espere um pouco. Você disse que o seu nome é Paul"?
- "Sim."
- "A Sally deixou uma mensagem para você. 

Ela escreveu e pediu para eu guardar caso você ligasse.
Eu vou ler pra você".

A mensagem dizia:
" Diga a ele que eu ainda acredito que existem outros mundos onde a gente pode cantar também. Ele vai entender".
Eu agradeci e desliguei.
Eu entendi...

Autor Desconhecido

O poeta e a lua




    O POETA E A LUA

    Em meio a um cristal de ecos 
    O poeta vai pela rua
    Seus olhos verdes de éter
    Abrem cavernas na lua.
    A lua volta de flanco
    Eriçada de luxúria
    O poeta, aloucado e branco
    Palpa as nádegas da lua.
    Entre as esferas nitentes
    Tremeluzem pelos fulvos
    O poeta, de olhar dormente
    Entreabre o pente da lua.
    Em frouxos de luz e água
    Palpita a ferida crua
    O poeta todo se lava
    De palidez e doçura.
    Ardente e desesperada
    A lua vira em decúbito
    A vinda lenta do espasmo
    Aguça as pontas da lua.
    O poeta afaga-lhe os braços
    E o ventre que se menstrua
    A lua se curva em arco
    Num delírio de volúpia.
    O gozo aumenta de súbito
    Em frêmitos que perduram
    A lua vira o outro quarto
    E fica de frente, nua.
    O orgasmo desce do espaço
    Desfeito em estrelas e nuvens
    Nos ventos do mar perspassa
    Um salso cheiro de lua
    E a lua, no êxtase, cresce
    Se dilata e alteia e estua
    O poeta se deixa em prece
    Ante a beleza da lua.
    Depois a lua adormece
    E míngua e se apazigua...
    O poeta desaparece
    Envolto em cantos e plumas
    Enquanto a noite enlouquece
    No seu claustro de ciúmes.

A magia de um sonho






A Magia de um Sonho
🌹        
Na doce magia do sonho, tenho asas de águia, olhos de lince, alma e coração de um lobo. A águia que vive em mim está sempre voando em direção ao infinito. O que vejo através dos meus olhos de lince me faz enternecer diante da força e da doçura do coração do lobo que vibra intensamente dentro de mim. A bela e a fera se encontram, se misturam e se fundem. Ao som de harpas e flautas elas se entrelaçam em um bailado suave e multicolorido. 
Enquanto sonho, a magia continua o mistério que existe em mim, com segredo de todas as coisas.Através de nuvens cor de rosa que se contrastam com o lindo azul do céu, a águia continua o seu vôo, me mostrando através dos olhos do lince as paisagens deslumbrantes que os meus olhos comuns jamais poderiam ver. Eu me envolvo, me deixo enternecer e me levar por esse momento de encanto, de ternura e de magia. 

A criança que existe dentro de mim clama por socorro, por liberdade. Eu a liberto e deixo que ela se manifeste, com toda sua espontaneidade e em toda a sua plenitude. E nesse momento tão especial, tão único e tão meu é que assimilo...

A LIÇÃO DA ÁGUIA: "Você tem asas e pode voar"; 

A LIÇÃO DO LINCE: "Seus olhos podem ver muito além daquilo que você teimosamente insiste em enxergar. Procure ver mais com os olhos da sua alma";

A LIÇÃO DO LOBO: "Você detém toda a força que precisa. Pode e deve usá-la com sabedoria nas situações de impasse, mas o segredo da sua vitória está em jamais deixar que essa força sobrepuje a sua humildade e a doçura do seu coração". É aí então que o meu sonho se funde com a minha realidade, onde apenas uma única coisa importa, "a manifestação perfeita do Amor" em todos os seus aspectos e em toda a sua plenitude. 

Nesse instante, então, descubro que tudo isso é tão e simplesmente a verdade que existe dentro de mim e não apenas um sonho! 


sábado, 19 de outubro de 2013

O sacrifício do vinho





    O SACRIFÍCIO DO VINHO

    Paris
    Contra o crepúsculo 
    O vinho assoma, exulta, sobreleva 
    Muda o cristal da tarde em rubra pompa 
    Ganha som, ganha sangue, ganha seios 
    Contra o crepúsculo o vinho 
    Menstrua a tarde. 

    Ah, eu quero beber do vinho em grandes haustos 
    Eu quero os longos dedos líquidos 
    Sobre meus olhos, eu quero 
    A úmida língua... 

    O céu da minha boca 
    É uma cúpula imensa para a acústica 
    Do vinho, e seu eco de púrpura... 
    O cantochão do vinho 
    Cresce, vermelho, entre muralhas súbitas 
    Carregado de incenso e paciência. 
    As sinetas litúrgicas 
    Erguern a taça ardente contra a tarde 
    E o vinho, transubstanciado, bate asas 
    Voa para o poente 
    O vinho... 

    Uma coisa é o vinho branco 
    O primeiro vinho, linfa da aurora impúbere 
    Sobre a morte dos peixes. 
    Mas contra a noite ei-lo que se levanta 
    Varado pelas setas do poente 
    Transverberado, o vinho... 
    E o seu sangue se espalha pelas ruas 
    Inunda as casas, pinta os muros, fere 
    As serpentes do tédio; dentro 
    Da noite o vinho 
    Luta como um Laocoonte 
    O vinho... 

    Ah, eu quero beijar a boca moribunda 
    Fechar os olhos pânicos 
    Beber a áspera morte 
    Do vinho...


Medo de amar


Vinicius de Moraes



    MEDO DE AMAR

    Petrópolis
    O céu está parado, não conta nenhum segredo 
    A estrada está parada, não leva a nenhum lugar 
    A areia do tempo escorre de entre meus dedos 
            Ai que medo de amar! 

    O sol põe em relevo todas as coisas que não pensam 
    Entre elas e eu, que imenso abismo secular... 
    As pessoas passam, não ouvem os gritos do meu silêncio 
            Ai que medo de amar! 

    Uma mulher me olha, em seu olhar há tanto enlevo 
    Tanta promessa de amor, tanto carinho para dar 
    Eu me ponho a soluçar por dentro, meu rosto está seco 
    Ai que medo de amar! 

    Dão-me uma rosa, aspiro fundo em seu recesso 
    E parto a cantar canções, sou um patético jogral 
    Mas viver me dói tanto! e eu hesito, estremeço... 
            Ai que medo de amar! 

    E assim me encontro: entro em crepúsculo, entardeço 
    Sou como a última sombra se estendendo sobre o mar 
    Ah, amor, meu tormento!... como por ti padeço... 
            Ai que medo de amar!

Amor Vinicius de Moraes






    AMOR

    Vamos brincar, amor? vamos jogar peteca 
    Vamos atrapalhar os outros, amor, vamos sair correndo 
    Vamos subir no elevador, vamos sofrer calmamente e sem precipitação? 
    Vamos sofrer, amor? males da alma, perigos 
    Dores de má fama íntimas como as chagas de Cristo 
    Vamos, amor? vamos tomar porre de absinto 
    Vamos tomar porre de coisa bem esquisita, vamos 
    Fingir que hoje é domingo, vamos ver 
    O afogado na praia, vamos correr atrás do batalhão? 
    Vamos, amor, tomar thé na Cavé com madame de Sevignée 
    Vamos roubar laranja, falar nome, vamos inventar 
    Vamos criar beijo novo, carinho novo, vamos visitar N. S. do Parto? 
    Vamos, amor? vamos nos persuadir imensamente dos acontecimentos 
    Vamos fazer neném dormir, botar ele no urinol 
    Vamos, amor? 
    Porque excessivamente grave é a Vida.

Soneto no sessentenario de Rubem Braga




    SONETO NO SESSENTENÁRIO DE RUBEM BRAGA

    Itaguá
    Sessenta anos não são sessenta dias 
    Nem sessenta minutos, nem segundos... 
    Não são frações de tempo, são fecundos 
    Zodíacos, em penas e alegrias. 

    São sessenta cometas oriundos 
    Da infinita galáxia, nas sombrias 
    Paragens onde Deus resgata mundos 
    Desse caos sideral de estrelas-guias. 

    São sessenta caminhos resumidos 
    Num só; sessenta saltos que se tenta 
    Na direção de sóis desconhecidos 

    Em que a busca a si mesma se contenta 
    Sem saber que só encontra tempos idos... 
    Não são seis, nem seiscentos: são sessenta!

Madrigal





    MADRIGAL

    Nem os ruídos do mar, nem os do céu, nem as modulações frescas 
    Da campina; nem os ermos da noite sussurrando sossegos na sombra, nem os cantos votivos da morte, nem as palavras de amor lentas, perdidas; nem as vozes, os músicos nem o eco patético das lamentações; nenhum som, nada 
    É como o doce, inefável ruído que meu ouvido ouve quando se pousa em carícia, ó minha amiga, sobre a carne tenra da tua barriguinha.


    Vinicius de moraes

Soneto do amigo




Los Angeles
Enfim, depois de tanto erro passado 
Tantas retaliações, tanto perigo 
Eis que ressurge noutro o velho amigo 
Nunca perdido, sempre reencontrado. 

É bom sentá-lo novamente ao lado 
Com olhos que contêm o olhar antigo 
Sempre comigo um pouco atribulado 
E como sempre singular comigo. 

Um bicho igual a mim, simples e humano 
Sabendo se mover e comover 
E a disfarçar com o meu próprio engano. 

O amigo: um ser que a vida não explica 
Que só se vai ao ver outro nascer 
E o espelho de minha alma multiplica...


Los Angeles, 1946.
Vinicius de Moraes

Mensagem a poesia





Não posso
Não é possível
Digam-lhe que é totalmente impossível
Agora não pode ser
É impossível
Não posso.
Digam-lhe que estou tristíssimo, mas não posso ir esta noite ao seu encontro.
Contem-lhe que há milhões de corpos a enterrar
Muitas cidades a reerguer, muita pobreza pelo mundo.
Contem-lhe que há uma criança chorando em alguma parte do mundo
E as mulheres estão ficando loucas, e há legiões delas carpindo
A saudade de seus homens; contem-lhe que há um vácuo
Nos olhos dos párias, e sua magreza é extrema; contem-lhe
Que a vergonha, a desonra, o suicídio rondam os lares, e é preciso reconquistar a vida.
Façam-lhe ver que é preciso eu estar alerta, voltado para todos os caminhos
Pronto a socorrer, a amar, a mentir, a morrer se for preciso.
Ponderem-lhe, com cuidado — não a magoem... — que se não vou
Não é porque não queira: ela sabe; é porque há um herói num cárcere
Há um lavrador que foi agredido, há um poça de sangue numa praça.
Contem-lhe, bem em segredo, que eu devo estar prestes, que meus
Ombros não se devem curvar, que meus olhos não se devem
Deixar intimidar, que eu levo nas costas a desgraça dos homens
E não é o momento de parar agora; digam-lhe, no entanto
Que sofro muito, mas não posso mostrar meu sofrimento
Aos homens perplexos; digam-lhe que me foi dada
A terrível participação, e que possivelmente

Deverei enganar, fingir, falar com palavras alheias
Porque sei que há, longínqua, a claridade de uma aurora.

Se ela não compreender, oh procurem convencê-la
Desse invencível dever que é o meu; mas digam-lhe
Que, no fundo, tudo o que estou dando é dela, e que me
Dói ter de despojá-la assim, neste poema; que por outro lado
Não devo usá-la em seu mistério: a hora é de esclarecimento
Nem debruçar-me sobre mim quando a meu lado
Há fome e mentira; e um pranto de criança sozinha numa estrada 
Junto a um cadáver de mãe: digam-lhe que há
Um náufrago no meio do oceano, um tirano no poder, um homem
Arrependido; digam-lhe que há uma casa vazia
Com um relógio batendo horas; digam-lhe que há um grande
Aumento de abismos na terra, há súplicas, há vociferações
Há fantasmas que me visitam de noite
E que me cumpre receber, contem a ela da minha certeza
No amanhã
Que sinto um sorriso no rosto invisível da noite
Vivo em tensão ante a expectativa do milagre; por isso
Peçam-lhe que tenha paciência, que não me chame agora
Com a sua voz de sombra; que não me faça sentir covarde
De ter de abandoná-la neste instante, em sua imensurável
Solidão, peçam-lhe, oh peçam-lhe que se cale
Por um momento, que não me chame
Porque não posso ir
Não posso ir
Não posso.
Mas não a traí.
Em meu coração
Vive a sua imagem pertencida, e nada direi que possa
Envergonhá-la.
A minha ausência.
É também um sortilégio
Do seu amor por mim.
Vivo do desejo de revê-la
Num mundo em paz.
Minha paixão de homem
Resta comigo; minha solidão resta comigo; minha
Loucura resta comigo.
Talvez eu deva
Morrer sem vê-la mais, sem sentir mais
O gosto de suas lágrimas, olhá-la correr
Livre e nua nas praias e nos céus
E nas ruas da minha insônia.
Digam-lhe que é esse
O meu martírio; que às vezes
Pesa-me sobre a cabeça o tampo da eternidade e as poderosas
Forças da tragédia abastecem-se sobre mim, e me impelem para a treva
Mas que eu devo resistir, que é preciso...
Mas que a amo com toda a pureza da minha passada adolescência
Com toda a violência das antigas horas de contemplação extática
Num amor cheio de renúncia.
Oh, peçam a ela
Que me perdoe, ao seu triste e inconstante amigo
A quem foi dado se perder de amor pelo seu semelhante
A quem foi dado se perder de amor por uma pequena casa
Por um jardim de frente, por uma menininha de vermelho
A quem foi dado se perder de amor pelo direito
De todos terem um pequena casa, um jardim de frente
E uma menininha de vermelho; e se perdendo
Ser-lhe doce perder-se...
Por isso convençam a ela, expliquem-lhe que é terrível
Peçam-lhe de joelhos que não me esqueça, que me ame
Que me espere, porque sou seu, apenas seu; mas que agora
É mais forte do que eu, não posso ir
Não é possível
Me é totalmente impossível
Não pode ser não
É impossível
Não posso.

Parte, e tu verás




    PARTE, E TÚ VERÁS

    Parte, e tu verás 
    Como as coisas que eram, não são mais 
    E o amor dos que te esperam 
    Parece ter ficado para trás 
    E tudo o que te deram 
    Se desfaz. 

    Parte, e tu verás 
    Como se quedam mudos os que ficam 
    Como se petrificam 
    Os adeuses que ficaram a te acenar no cais 
    E como momentos que passaram apenas 
    Perecem tempos imemoriais. 

    Parte, e tu verás 
    Como o que era real, resta impreciso 
    Como é preciso ir por onde vais 
    Com razão, sem razão, como é preciso 
    Que andes por onde estás. 

    Parte, e tu verás 
    Como insensivelmente esquecerás 
    Como a matéria de que é feito o tempo 
    Se esgarça, se dilui, se liquefaz 
    E qualquer novo sentimento 
    Te compraz 

    Repara como um novo sofrimento 
    Te dá paz 
    Repara como vem o esquecimento 
    E como o justificas 
    E como mentes insensivelmente 
    Porque és, porque estás 

    Ah, eterno limite do presente 
    Ah, corpo, cárcere, onde faz 
    0 amor que parte e sente 
    Saudade, e tenta, mas 
    Para viver, subitamente, mente 
    Que já não sabe mais 
    Vida, o presente; morte, o ausente - 
    Parte, e tu verás...

Soneto da rosa


Vinicius de moraes


    SONETO DA ROSA

    Mais um ano na estrada percorrida
    Vem, como o astro matinal, que a adora
    Molhar de puras lágrimas de aurora
    A morna rosa escura e apetecida.
    E da fragrante tepidez sonora
    No recesso, como ávida ferida
    Guardar o plasma múltiplo da vida
    Que a faz materna e plácida, e agora
    Rosa geral de sonho e plenitude
    Transforma em novas rosas de beleza
    Em novas rosas de carnal virtude
    Para que o sonho viva da certeza
    Para que o tempo da paixão não mude
    Para que se una o verbo à natureza.

Na esperança de teus olhos





    NA ESPERANÇA DE TEUS OLHOS

    Rio de Janeiro
    Eu ouvi no meu silêncio o prenúncio de teus passos 
    Penetrando lentamente as solidões da minha espera 
    E tu eras, Coisa Linda, me chegando dos espaços 
    Como a vinda impressentida de uma nova primavera. 
    Vinhas cheia de alegria, coroada de guirlandas 
    Com sorrisos onde havia burburinhos de água clara 
    Cada gesto que fazias semeava uma esperança 
    E existiam mil estrelas nos olhares que me davas. 
    Ai de mim, eu pus-me a amar-te, pus-me a amar-te mais ainda 
    Porque a vida no meu peito se fizera num deserto 
    E tu apenas me sorrias, me sorrias, Coisa Linda 
    Como a fonte inacessível que de súbito está perto. 
    Pelas rútilas ameias do teu riso entreaberto 
    Fui subindo, fui subindo no desejo de teus olhos 
    E o que vi era tão lindo, tão alegre, tão desperto 
    Que do alburno do meu tronco despontaram folhas novas. 
    Eu te juro, Coisa Linda: vi nascer a madrugada 
    Entre os bordos delicados de tuas pálpebras meninas 
    E perdi-me em plena noite, luminosa e espiralada 
    Ao cair no negro vórtice letal de tuas retinas. 
    E é por isso que eu te peço: resta um pouco em minha vida 
    Que meus deuses estão mortos, minhas musas estão findas 
    E de ti eu só quisera fosses minha primavera 
    E só espero, Coisa Linda, dar-te muitas coisas lindas...

    Vinicius de Moraes