Num rasgo de olhar
chove neste segundo.
também chove neste segundo dia
de um inverno frio.
chove lá fora e nos corações da gente que sente
o soçobrar da vida
a inevitabilidade da morte como a caducidade das folhas
apesar da esperança bater não sei onde
com promessas de renascimento.
tardias as promessas como vagaroso o tempo da chuva.
longe o arauto primaveril de paixões fulgurantes
e corações ruidosos de deslumbres.
para lá do tempo fica o tempo em que sonhámos
um olhar apaixonado como uma rosa vermelha,
um abraço forte como um abraço
e tão grande como o mundo que não sabíamos
mas adivinhávamos algures.
talvez no coração.
chove neste segundo
e neste segundo a morte espreita a vida
e também neste segundo invade-nos a esperança
de ver o sol num horizonte limpo
entre o céu e a terra
e de sentir o abraço forte como um abraço
e um beijo quente como um beijo
e uma lágrima num sorriso.
chove
e neste segundo de chuva torrencial
vem-me à memória tudo o que não demos,
o abraço que perdemos,
o beijo que tememos,
as primaveras que olvidámos e os invernos
em que chamas incendiaram lareiras
e nós, com medo do mundo, não nos deixámos arder.
ficámos na saudade do que não foi.
contudo, chove neste segundo
cá dentro e lá fora...
contudo, não mais será saudade por não ser
em cada segundo o que deverá ser em cada
segundo.
...e o mundo continua a rota do tempo
apesar da morte anunciada
apesar da vida renovada
também ela, pelo tempo.
Tereza Brinco de Oliveira
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