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sábado, 31 de agosto de 2013

Certas incertezas

Última temporada do medo

Tenho medo. Tenho medo da acidez humana, que desacredita na bondade. Medo de quem duvida dos sentimentos mais simples e procura assim complicar a vida com uma coleção de teorias vazias e obsoletas. 
Medo das pessoas que mastigam silenciosamente sua ira, enquanto olham com reprovação para os sonhos dos outros. Das mãos fechadas por avareza, e que desaprenderam a beleza da carícia. De ser tomada pelas dúvidas de quem fica sentado no caminho esperando a vida acontecer. De quem não comete erros, não corre riscos, não possui a ousadia dos dias coloridos que insistem em exagerar. 
Tenho medo daqueles que se calam porque não sabem argumentar. Da grandeza do homem que insiste em diminuir todos os outros. Dos que escolhem pelo que agrada ao olho em oposição ao que a alma sente. 
Tenho medo, muito medo de quem faz guerra por pouco e barulho pelos hiatos transitórios que só duram uma chuva. Dos que vão embora sem a decência de se despedir. Medo de quem muito sabe e pouco ensina. Dos que fazem a vida doer, encher de dúvidas, tornar-se um bocado de confusões. Dos que deixam ir tudo pelo ralo, pela distração ou indiferença. Das alegrias superficiais e opacas. De quem enterra as mágoas com receio de se perdoar. Das invasões de privacidade em nome de dois sentimentos imperfeitos chamados ciúme e insegurança. Tenho medo do sofrimento desnecessário, da falta de paciência, das lembranças doloridas, das esperanças amareladas. 
Tenho medo de quem muito fala e não tem tempo para escutar. De quem oferece conselhos e depois abandona o processo de cura do outro. Medo daqueles que conseguem carregar o outro no peito, mas abandonam a alma na primeira valeta. De quem fala pela metade e esconde o principal. 
Dos que, com medo dos sentimentos mais puros, caminham no contra fluxo, atropelando outros corações. Tenho medo das narrativas de amor recitadas em palco e ausentes do coração. Tenho medo dos atos falhos do homem que não disse para o que veio e não corrige suas emoções. 
Livro Certas Incertezas, pag. 15

A dança da alma !


A dança da alma...

"Se uma lagarta pode se transformar numa borboleta e viver como um ser superior, talvez possamos também".
Cada um de nós traz em si uma partícula divina, uma consciência com potencial de expansão ilimitado, na qual está codificado o nosso destino.
Mas, cabe somente a nós sair do casulo e nos transformar em seres de consciência superior. Cada um de nós pode ser borboleta quando chegar o seu tempo, e voar, ou permanecer lagarta dentro do casulo com medo da vida.
A alma é como borboleta presa num casulo desejando incessantemente liberdade; forçando o rompimento do casulo.
Às vezes ela força tanto que provoca machucaduras irreversíveis no casulo.
As doenças são as machucaduras que a alma provoca no casulo do corpo, do ego e da mente cristalizada em crenças limitadoras, para se libertar e se elevar.
Prenda a sua alma, e verá o que acontece!
A vida quer a sua alma, ela quer dançar com a sua alma e celebrar a existência como um todo. Envolvida por mistérios, a vida ainda nos assusta, mas ela vem como uma visitante inesperada buscar nossa alma para celebrar a existência.
Se nos permitirmos sair do casulo e nos tornar alma pura e dançar com a vida, não haverá mais preocupações, pois estaremos totalmente envolvidos na dança da vida, e não sobrará tempo para brigar por brinquedos, como fazemos.
Estaremos então seguros na alma e protegidos pela vida. Sabendo que a vida pode nos solicitar o inesperado, é preciso ter muita coragem e confiança para arriscar-se nessa liberdade e voar para dançar com a vida.
É preciso desprendimento e aceitação, desapego e perdão, deixando para trás tudo aquilo que é fardo desnecessário e ocupa nosso tempo e consome nossa energia.
Perdoar é liberar as âncoras que nos mantém presos nas memórias desastrosas causando sofrimentos a nós e aos nossos irmãos.Ninguém poderá sair do casulo para ser alma pura enquanto não perdoar até a última centelha de memória.
Mesmo assim, podemos aceitar o convite da vida e começar a dançar a sua dança, e celebrar com a existência. A magia da dança da vida leva ao desprendimento de muitas dessas âncoras facilitando a liberação.
A terapêutica da alma é a do perdão, a que liberta e torna possível o vôo, a liberdade, a dança com a vida na sua totalidade.
"Permita que a vida roube a sua alma. Deixe uma porta entreaberta para a vida chegar; invadir a sua alma. O esconderijo não protege ninguém do medo de perder a alma para a vida".
Paz e Luz!

(Luiz Antonio  Trevizane

quarta-feira, 28 de agosto de 2013

Outono...da vida II

Outono…da vida II

Hamilton Afonso

A paleta de cores em tons 
amarelo, castanho e vermelho terra
as folhas caindo, 
as arvores preparando-se para o Inverno 
e suspirando pela Primavera

As primeiras chuvas, o cheiro,
bom a terra molhada, os cogumelos a nascerem
em tufos de vida no chão, juncado de folhas mortas
das florestas de carvalhos

As sementeiras do pão de centeio e trigo,
os nabais que servirão de forragem aos animais, no Inverno
os soutos com os seus castaheiros prenhes de ouriços
que em partos esforçados se oferecem em castanhas
que aquecem as noites já frias,a telha vã branca da geada

Tudo isto faz parte das minhas recordações
da minha infância e juventude, 
quando as aldeias nortenhas tinham vida,
gente, 
jovens percorrendo alegremente
as ruas empoeiradas do Verão, 
enlodadas das chuvas que caem, com os pés calçados
com os socos de solas de pau de amieiro, e as suas taxas metálicas.

À noite à volta da lareira, conversando e ouvindo
respeitosamente os seniores transmitindo-nos
a sua imensa sabedoria caldeada na escola da vida

Saudade?

Melancolia?

As duas coisas, 
mas sobretudo o enorme respeito
por aqueles que me moldaram o caracter, que me ajudaram 
a ser homem …

A minha gratidão e ternura a todos eles
Aos seniores da minha infância que tratavamos
com respeito…
 —

terça-feira, 27 de agosto de 2013

Canção da madrugada








A madrugada é isto: estar presente
quando a noite por fim chegar a casa
e entrar no meu quarto docemente
mais fria e mais leve que uma asa.

E demorar-se em mim. E demorar
os seus negros cabelos no meu peito.
A madrugada é isto: é acordar
nas ruas que começam no meu leito.


Joaquim Pessoa
(Portugal 1948)
in Obra Poética 

domingo, 25 de agosto de 2013

Poema,beijo,estrela,afago...







Outra coisa que o corpo há quem conheça.

Eu não. Somente nele me cumpro viva.

Poema, beijo, estrela, afago, intriga

Só no corpo me são pés e cabeça.

E coração também que às vezes teça

Razão de me saber mais que medida

Nessa trágica trama tão antiga

A que chamam ficar de amor possessa.

E é de novo poema, beijo, afago.

É de novo corpo que te trago

A exótica festa da nudez.

E tudo quanto sinto e quanto penso

Toma corpo no corpo a que pertenço.

E aqui estou: de barro, como vês.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Djillali


Para sempre sua


O primeiro dia da minha vida foi aquele em que conheci você.
Perigosamente calmo e controlado
Suas palavras valiam pra mim mais que suas atitudes  por mais extremas que fossem
Elegante,casual, masculino  e dominante
E desejando ,acendendo , fazendo que eu me sentisse mais viva..todos os nervos do meu corpo ficaram alertas , à espera  de seu toque .a excitação se misturou à ansiedade.
Condução perfeita  na dança com maestria ,extasiada e flutuando.
A vontade que unia as almas ,então as nossas estavam fundidas para sempre
Meu mundo se reduziu a ele .A seu toque .Aos sons que seu corpo emitia .

Para sempre sua .





Quero dar-te





Quero dar-te a coisa mais pequenina que houver

bago de arroz

grão de areia

semente de linho

suspiro de pássaro

pedra de sal

som de regato

a coisa mais pequena do mundo

a sombra do meu nome

o peso do meu coração na tua pele.

Rosa Lobato de Faria

Imagem: Alexander Klev  Rosa Lobato de Faria |


Sexo com amor

Sexo com Amor – Gustavo Lacombe

1aas

“Era só sexo. Sempre foi. O problema foi quando começou um comichão aqui, uma dorzinha ali. De repente, toda a graça perdeu o efeito. Quando do telefonema para uma rapidinha clássica se fez a noite de amor com direito a café da manhã, algo de errado nasceu no meio da gente. Não se mistura sentimento e vontade. Não entre a gente.
Era opção. Quando um queria, o outro podia. Quando um dava um jeito, o outro já esperava. Na carência, na sofrência, no tédio, no prédio, na rua, na chuva, na fazenda. Não, na fazenda não. Basicamente, quando era preciso. Quase um delivery. Duas pessoas que encontraram muito mais que um ombro amigo. 
Era por esporte. Nem mesmo nas vezes que ficávamos de conchinha, rindo de outros casais, debochando de quem tratava aquilo de dormir abraçadinho como algo lindo. Clichê inútil. Nunca tinha havido espaço para mais nada além daquilo. O problema foi quando, numa dessas noites, enquanto o pau quebrava, ouvi. Eu te amo. Hã?
Era um carnaval. Sempre tinha uma época em que um dos dois namoravam. Nada tão sério ao ponto de estragar a rotina. Nenhum deles durou muito tempo. O problema? Talvez fosse o sexo mesmo, talvez o nosso jeito difícil. A gente se entendia. Como amigos, como amantes. Porém, sabendo muito bem separar uma coisa da outra. Cada um no seu espaço.
Era pra sempre. Era do bom. Às vezes era ótimo. Sempre satisfez. Juro. Era pras fantasias, pra fugir da vidinha. Era uma invasão no meio do dia em que o desejo batia. Era um crime perfeito. Era amizade. Até que um dia, depois do sexo, a gente demorou mais um pouco. Até mesmo depois de ouvir aquilo, que deveria ter sido dito num impulso normal. Aí, nesse dia, perdeu a graça.
Tínhamos colocado o amor no meio. Desandou.

quinta-feira, 22 de agosto de 2013

Promessas

PROMESSA


prometi-me os picos do mundo
e as miragens
que os deuses lançaram nos sonhos do homem

mas o paraíso não se alcança sem fortuna
e as miragens
não têm o esplendor dos oceanos
nem o sabor do orvalho matinal


João Carlos Esteves, 22/08/2013

(Foto obtida na página “Regard sur Image”, sem referência de autoria)

Eu, tântalo


Eu, Tântalo

Rogo a Cristo
Tornar-me vento
E por um instante
Te encontrar.
Então, tomar-te
Em beijo ávido 
De brisa-morte...
A levemente te
Enlevar;
Ser o sopro-desvelo
De teus custódios
E o ruflar nas
Asas de meus adidos:
Anjos, arcanjos...
Inermes cupidos a 
Enternecedoramente
Te tocar.

(Alef Mansur)

terça-feira, 20 de agosto de 2013

Mulher




MULHER.

Não é pra ser compreendida, é pra ser aceita tal como é. Você pode não ter percebido, mas ela estará sempre ao seu lado como cuidadora nas formas de mãe, avó, tia, irmã, sobrinha, esposa, filha, amiga, vizinha, professora, enfermeira, faxineira.

Salvo em raras exceções, lembre-se, que alguma delas deve ter lhe dado as primeiras refeições, limpou seus excrementos, te ensinou a andar, a falar e depois a ler e escrever, afinal, quase 90% das professoras do ensino básico primário, são formadas por mulheres.

Você nasceu? Que ótimo. Não existe exceções para o seu nascimento. Não importa se sua mãe é desconhecida, se foi uma péssima mãe ou se não foi uma mãe suficiente boa, mas é certeza que UMA te colocou no mundo!

Foi preso? Alguma estará lá no dia de visita, passando por aquela rotina angustiante de ficar na fila e ser examinada até em suas partes íntimas. Muitas engravidarão de ti lá dentro mesmo. Nos presídios femininos, a fila de homens pra ver suas companheiras, amigas, irmãs, filhas e etc, é quase nula. Normalmente cumprem suas penas só tendo a presença de alguma outra mulher solidária.

Está doente? Ah, certamente uma estará lá ao seu lado, passando as noites contigo no hospital ou ministrando um remedinho na hora certa, limpando seus excrementos, enfim.. Pode ser a enfermeira, afinal, a maioria destes profissionais é formado pelo contingente feminino.

Sucesso na vida? Se gaba de não precisar de ninguém, nem mesmo de uma esposa pra ser feliz e paga uma empregada doméstica pra lavar, passar, cozinhar e limpar? Sim, então você continua precisando de uma.

Está velho? Olhe bem se não há uma esposa, uma filha, uma neta, uma sobrinha, uma enfermeira, uma vizinha, uma amiga... Se não há nenhuma, pense bem...

Você pode não ter visto, não ter percebido, mas a maioria sempre terá uma leoa pra enfrentar lado a lado contigo. Alguma delas já passou em sua vida e vai continuar presente no teu futuro.

Procure na História por elas...



Obs. No momento desconheço autor, caso saibam ,gentileza avisar ,grata.

Delírios





Delírios

Em teu colo fiquei preso
Beijando, uma a uma, as flores
O aconchegando e, as folhas,
Verde promessa de amores
Dos quais quisera, donzela,
Ser, dentre todos, senhor,
Em negro fundo, qual tela,
Abrigaram meu ardor!

Bem juntinhos nossos corpos
Sonhando, dancei contigo,
De vida, dança singela;
Mas, despertei sem abrigo,
Ao dia faltando cores
E, de tal noite, a alegria,
De tua pele os odores,
Teus olhos, luz fugidia.

A noite ao romper do dia
E o luar minha candeia,
Nos jardins, da primavera,
O sol que a ti incendeia
E o canto das andorinhas
Espreitando a tua janela
Entoavam trovas minhas,
Rimas de amor, flor tão bela!

Vidas vivas as palavras
De rascunhos iludidos,
Traços, gritos e gemidos
De prazer, louca paixão,
No aconchego da emoção
Do mais lindo e terno abraço
Que ao despertar rouba espaço
E aos corpos ganha os sentidos!

Joaquim do Carmo in "Amanhecer pelo fim da tarde", Lua De Marfim Editora, Abril de 201

A cor negra



A cor negra

Uma estirpe malévola de sonambulismo diurno sujeita-me a mente a mutações constantes. A nitidez é engolida pelo difuso. Projecções disformes da realidade ironizam-me o olhar em constantes movimentos. Os esgares atormentam-me os sorrisos e as palavras jorram incoerentes e cáusticas. Uma clarividência perturbante rasga em meteóricos momentos a teia de pensamentos caóticos que me aborda a sanidade. A noção do tempo é uma nebulosa sem nome que vagueia pelo espaço em busca de Andrómeda. O asco é vestígio residual da relutância com que engulo as rotações do planeta. Subo em lúcida inconsciência o penhasco mais alto na tentativa de tocar o universo com as pontas dos dedos. Suponho penetrar assim os mistérios que ele se recusa a desvendar. Mas o abismo é uma equação irresolúvel. A eterna incógnita traduzida pela letra que mais abomino, o x, levanta a orla do véu de interrogações e revela-me, oscilante entre a opacidade e a transparência, como contraponto ao fascínio de paisagens secularmente míticas, a face negra da lua.

© Rita Pais verão de 2013

Vem te direi...


Vem, 
Te direi em segredo
Aonde leva esta dança.
Vê como as partículas do ar
E os grãos de areia do deserto
Giram desnorteados.
Cada átomo
Feliz ou miserável, 
Gira apaixonado
Em torno do sol.
Ninguém fala para si mesmo em voz alta.
Já que todos somos um,
falemos desse outro modo.
Os pés e as mãos conhecem o desejo da alma
Fechemos pois a boca e conversemos através da alma
Só a alma conhece o destino de tudo, passo a passo.

Vem, se te interessas, posso mostrar-te.
Desde que chegaste ao mundo do ser,
uma escada foi posta diante de ti, para que escapasses.
Primeiro, foste mineral;
depois, te tornaste planta,
e mais tarde, animal.
Como pode isto ser segredo para ti?
Finalmente, foste feito homem,
com conhecimento, razão e fé.
Contempla teu corpo - um punhado de pó -
vê quão perfeito se tornou!

Quando tiveres cumprido tua jornada,
decerto hás de regressar como anjo;
depois disso, terás terminado de vez com a terra,
e tua estação há de ser o céu.
Não durmas,
senta com teus pares

A escuridão oculta a água da vida.
Não te apresses, vasculha o escuro.
Os viajantes noturnos estão plenos de luz;
não te afastes pois da companhia de teus pares.
Faltam-te pés para viajar?
Viaja dentro de ti mesmo, 
e reflete, como a mina de rubis,
os raios de sol para fora de ti.

A viagem conduzirá a teu ser,
transmutará teu pó em ouro puro.
Sofreste em excesso
por tua ignorância, 
carregaste teus trapos
para um lado e para outro,
agora fica aqui.

Na verdade, somos uma só alma, tu e eu.
Nos mostramos e nos escondemos tu em mim, eu em ti.
Eis aqui o sentido profundo de minha relação contigo,
Porque não existe, entre tu e eu, nem eu, nem tu.

Oh, dia, levanta! Os átomos dançam,
As almas, loucas de êxtase dançam.
A abóbada celeste, por causa deste Ser, dança,
Ao ouvido te direi aonde a leva sua dança.
Ontem à noite, confidencialmente, eu disse a um velho sábio:
- Não me esconda nada dos segredos do mundo!
Muito docemente, ele me disse ao ouvido:
- Chut! Podemos compreender, mas não exprimir!
Quero fugir a cem léguas da razão,
Quero da presença do bem e do mal me liberar.
Detrás do véu existe tanta beleza: lá está meu ser.
Quero me enamorar de mim mesmo, ó vós que não sabeis!
Eu soube enfim que o amor está ligado a mim.
E eu agarro esta cabeleira de mil tranças.
Embora ontem à noite eu estivesse bêbado da taça,
Hoje, eu sou tal, que a taça se embebeda de mim.
Ele chegou... Chegou aquele que nunca partiu;
Esta água nunca faltou a este riacho
Ele é a substância do almíscar e nós o seu perfume,
Alguma vez se viu o almíscar separado de seu cheiro?
Se busco meu coração, o encontro em teu quintal,
Se busco minha alma, não a vejo a não ser nos cachos de teu cabelo.
Se bebo água, quando estou sedento
Vejo na água o reflexo do teu rosto.
Sou medido, ao medir teu amor.
Sou levado, ao levar teu amor.
Não posso comer de dia nem dormir de noite.
Para ser teu amigo
Tornei-me meu próprio inimigo.
Teu amor me tirou de mim.
De ti, preciso de ti
Noite e dia, eu queimo por ti.
De ti, preciso de ti.
Não posso dormir quando estou contigo
por causa de teu amor.
Não posso dormir quando estou sem ti
por causa de meu pranto e gemidos.
Passo as duas noites acordado
mas, que diferença entre uma e outra!
Não temos nada além do amor.
Não temos antes, princípio nem fim.
A alma grita e geme dentro de nós:
- Louco, é assim o amor.
Colhe-me, colhe-me, colhe-me!
À noite, pedi a um velho sábio
que me contasse todos os segredos do universo.
Ele murmurou lentamente em meu ouvido:
- Isto não se pode dizer, isto se aprende.
A fé da religião do Amor é diferente.
A embriaguez do vinho do Amor é diferente.
Tudo que aprendes na escola é diferente.
Tudo que aprendes do Amor é diferente.
Vem ao jardim na primavera, disseste.
Aqui  estão todas as belezas, o vinho e a luz.
Que posso fazer com tudo isso sem ti?
E, se estás aqui, para que preciso disso?

- Rumi

Nas asas da vontade



NAS ASAS DA VONTADE


nascidas das águas turvas
as tuas asas vestem o vento dos dias

nelas transportas o pedaço de oceano que te habita o sorriso
e as areias das praias
onde o teu corpo foi amor em leito de espuma


João Carlos Esteves, 20/08/2013

(Foto de Ulita Zlatkova)

Era uma vez na tarde!


Era uma vez, na tarde

Distraída, a tarde esquecera-se do tempo, extasiada na contemplação do astro-rei incandescente, viajante solitário pelo azul cintilante do céu, quase tudo luz, quase tudo brilho, quase… porque as sombras das árvores, dispersas qual baralho de cartas abandonado aos caprichos do vento norte em pleno estio disfarçavam, em segredo, a canícula tão esperada como sufocante, ansiosa do sossego refrescante das fontes!
Lentamente, as cigarras penduravam seus gritos estridentes nos últimos raios solares, já menos abrasadores, repousando na promessa de renovados ardores, cedendo o espaço à saltitante algazarra dos passarinhos espreitando, por entre os folhedos, os despojos que os humanos deixaram pelo chão escaldado e sedento, no rescaldo da espera por um pouco de humidade.
Lá no alto, indiferentes à azáfama do recolher, as gaivotas passeavam-se, altivas, do mar para terra ou da terra para o mar, perscrutando as dunas, ao sabor dos ventos, entretanto mais suaves, indecisas entre o gosto do sal e a doçura das lagoas, mas atentas ao mais pequeno sinal, entre a espuma das ondas, para mergulhos picados, qual caçador treinado, paciente e certeiro.
Era o último fôlego para os viajantes do dia, incerto nos seus últimos minutos, sacudido pela brisa, refrescante, agora instalada para alegria dos seres amantes da acalmia: a seguir, outros haveriam de iniciar suas investidas neste universo plural, descansando por aqui até à volta das horas matutinas, anúncio de renovada esperança em lento despertar.
No firmamento aparecia a estrela da tarde, piscando o olho à lua, em crescendo, jogando às escondidas com a luz do poente, alaranjada e serena, cedendo o caminho, cansada, a novos passageiros celestiais: outras vidas, outras crenças, outras luzes, outros cantos… a calma da noite rompendo do espaço, tão imponente como o dia se instalando, agora, por outras paragens, senhora dos silêncios reconfortantes, colo para os coaxares refrescantes no leito dos pântanos ou margens das lagoas: as rãs estavam lá, bem perto da tarde esquecida, lembrando-lhe o seu fim, condição de perenidade.
A tarde cedera, enfim, à lei do tempo e, reconfortada pela promessa de breve amanhecer, agora desperta, acomodava-se entre as esteiras da calma, suave, revigorante, promissora!
Pé ante pé, chegara a noite!...

Joaquim do Carmo (a publicar)
© (direitos reservados)
Foto "Half Set", de Joana Do Carmo